Niterói-RJ: Cine SOS Caiçaras na praia do Sossego
Nesta Sábado, dia 19, os moradores Caiçaras da praia do Sossego em Niterói, vizinhos, frequentadores da praia e ativistas, realizaram um cine Caiçara com a exibição do média metragem “Sossego Praia para Todos”. O filme e o evento foram produzidos por Mídias Independentes que fazem parte da mobilização contra a remoção das famílias da Praia do Sossego.
O objetivo do cine era aumentar a articulação entre as diversas aldeias caiçaras que vem sofrendo constantes tentativas de remoção por parte do Estado e especulação imobiliária, assim como aumentar o alcance e a troca de experiências entre caiçaras e sociedade.
Desde a última quarta (14/07) apoiadores e ativistas de diversos coletivos encontram-se ocupando a praia do Sossego em resistência contra a ameaça de remoção. Tal mobilização fez com que a prefeitura de Niterói sinalizasse uma abertura para um possível acordo, no entanto, nada ainda foi formalizado. Os ativistas garantem que enquanto o direito de permanecer da família não estiver garantido, ocuparão o local.
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Moradores da Aldeia Imbuhy, em Jurujuba, compareceram à exibição do filme e ao debate, compartilhando sua resistência e solidariedade para com os caiçaras do Sossego, que partilham de uma história comum.
No dia 2 de julho, os moradores da centenária Aldeia Imbuhy receberam ordem judicial, com prazo de noventa dias, para abandonarem suas casas em favor do Exercito brasileiro que possui dois fortes militares no local. A tentativa de expulsar os moradores da região começa durante a ditadura militar, por um intenso processo de descaracterização do caiçara e sua cultura.
Os relatos e documentos apresentados pelos aldeões de Imbuhy revelam que esse processo de expropriação de comunidades tradicionais é algo antigo. A comunidade de Jurujuba surgiu antes mesmo da proclamação da república, inclusive, Flora Simas de Carvalho, filha de um revolucionário republicano e abolicionista, moradora de Imbuhy, foi quem bordou a primeira bandeira da república do Brasil e estava representada pelos seus descendentes, que hoje sofrem processo de remoção.
Segundo os relatos, durante o regime militar dois terços dos moradores já haviam saído do local. Uma moradora explica o motivo:
“um problema que eles gostam de desmerecer [...] eles gostam de desconstruir a nossa história e dizer que aquela aldeia não tem nada de pescadores [...] agora se nós pararmos para pensar que eles mesmos foram sufocando e inviabilizando a pesca, foram dificultando todas as formas dos moradores sobrevirem da pesca.”
Contaram também, que oficiais das bases locais chegavam a exigir parte da pesca ou, quando a pesca estava em baixa, dinheiro justamente para dificultar a sobrevivência, a tal ponto, que frequentemente os frutos do mar, recolhidos pelos próprios militares, eram jogados no lixo estragados. Certa vez, um morador foi obrigado a quebrar o seu próprio barco por ordem de um militar.
Com o fim do regime ditatorial a forma de pressão contra os moradores se modificou. Eles ainda passam por diversas restrições e sofrem constantes ameaças. Para saírem e entrarem na Aldeia têm de se identificar com documentos. São impedidos de entrarem com material de construção e por isso, muitas casas estão em péssimas condições de conservação.
Dona Iolanda relatou que à três anos teve sua casa condenada pela defesa civil que, por um processo, obrigou às forças armadas a permitirem que a senhora, de mais de sessenta anos, tivesse o direito de reformar suas casa. No entanto, sua casa foi umas das três demolidas pelas forças armadas há quase um mês e relatou que ainda está pagando as prestações do financiamento que fez para a reforma.
"Foi terrível, foi terrível mesmo. Eu tento ficar calma, pois se não vou acabar caindo em depressão, vou acabar morrendo, mas por dentro só a gente sabe como a gente está. Estou me sentindo assim, como se eu fosse o pior bandido do mundo. Eu me senti assim, em cárcere privado, sabe? Aquele monte de militares dentro de casa, rodando a casa toda. Quando eu saí ainda vi escudo, vi cão. Fiquei horrorizada, até hoje estou horrorizada."
Entre os casos de remoções, há em comum a desqualificação da identidade caiçara. O principal argumento dos poderes interessados na apropriação dos locais, é dizer que essas pessoas não representam uma cultura, destituído-as de uma história e que não possuem a legitimidade do local em que vivem há várias gerações.
A palavra caiçara é de origem Tupi e os índios usavam para denominar cercas rústicas, feitas de bambu ou gravetos. Com o tempo as populações praianas passaram a serem denominadas como caiçaras, pois estas cercas eram comumente usadas por pescadores tradicionais para protegerem suas canoas e casas.
Inclusive, a legislação que protege Povos e Comunidades Tradicionais, como a convenção 169 da OIT – ratificada em 2003 pelo Brasil, e o decreto federal n° 6040 de 07/02/2007. Existem casos recentes em que o uso dessa legislação permitiu a permanência de comunidades de pescadores tradicionais e artesanais mesmo em áreas de “preservação ambiental”, como a Ilha do Aventureiro em Ilha Grande e Guaraqueçaba no Paraná.
Especificamente em Niterói, o dia 09 de agosto é a data em que se comemora a resistência das comunidades tradicionais, pela lei municipal 331\2013. Negar a história e a cultura caiçara é negar a diversidade que compõe a sociedade. No entanto, tudo isso não tem sido levado em conta nem pela Prefeitura nem pela Justiça Federal.
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